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segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Os papeis da vida civil e da vida vivida

Um dia ele iniciou a minha vida civil, três dias depois do meu nascimento. É o costume que o pai se dirija ao cartório, enquanto a mãe dá assistência ao recém nascido. Meu pai foi a um cartório de registro civil em Santana, na zona norte de São Paulo me dar um nome, tirar o meu primeiro documento. A primeira burocracia da minha vida, enquanto minha mãe cuidava de mim. A folha era simples, datilografada. Está dobrada três vezes, dividida em nove partes de papel numa capinha cor de rosa que a protege até hoje. Com o passar dos anos, esticar para copiar, dobrar e guardar de volta, na adolescência ela ganhou um carimbo e o número do meu RG escrito a mão. O RG que ele levou para fazermos numa delegacia quando eu tinha 12 anos. Depois quando entrei no meu primeiro emprego ele foi comigo abrir minha primeira poupança, a primeira feita por mim, porque anos antes houve uma feita por ele. Depois disso já tive mais dois RGs e outras tantas contas abertas e fechadas em bancos. 
A certidão de nascimento dele tem três dobras que a dividem em oito partes. Mais amarelada e com quase o dobro de idade da minha tem como cabeçalho República dos Estados Unidos do Brasil. Naquela época e naquelas condições no sítio, levavam anos e as vezes registravam mais de um filho de uma vez. A certidão dele foi preenchida a mão e com a caneta na cor verde, emitida em em outubro de 1953 num cartório no município de Tanque D' Arca, quase três anos depois de seu nascimento em 15 novembro de 1950 no sítio Cardoso na cidade de Mar Vermelho no estado de Alagoas, o declarante o pai dele José Nunes de Melo, que nunca conheci pois ele morreu meses depois do meu nascimento, também por problemas de coração. 
A vida física do meu pai terminou em 13 de julho de 2016 e a vida civil uma semana depois, em 20/07/2016 num cartório da região da Cachoeirinha, na zona norte da cidade de São Paulo. Nessa terra dos papéis, o papel que me coube mais de trinta anos depois não foi nada fácil, encerrar sua vida civil, buscando sua certidão de óbito. As três causas: insuficiência cardíaca, ou seja o coração não bombeava o sangue como antes, choque cardiogênico, que é a complicação da condição anterior, quando os orgãos nobres vão ficando sem o devido suprimento de sangue e oxigênio e diabetes mellitus, que ele nunca teve diabete nenhuma, mas que o médico que assinou o atestado deve ter encontrado como explicação ao encontrar a glicose no sangue dele, glicose que ele tomou como soro por estar sem alimentação por três dias, glicose que eu vi ele receber na veia, quando passou mal em minha frente assim que comeu a primeira refeição liberada horas antes de morrer, atendido pela médica da emergência que se identificou como Fernanda. A médica que havia liberado a refeição horas antes dele passar mal, Dra Regina não comentou que ele poderia passar mal na primeira refeição após dias sem alimentação, poderia ter liberado apenas líquido, ter retomado aos poucos, afinal ele havia dado entrada com quadro de obstrução intestinal, que foi esquecida no declaração de óbito. Um obstrução que na minha leiga opinião pode ter sido causada por algum sangramento interno provocado pelo anticoagulante Marevan (Varfarina), que ele não se dava bem desde o início do tratamento em outubro de 2015 no Hospital Dante Pazzanese, e que teve a dose suspensa, e depois aumentada no Hospital Santo Antonio da Penha, após uma cirurgia vascular no mês de junho. Outra causa que não aparece é a coagulopatia que ele estava apresentando e que o impedia de ser um candidato a uma cirurgia de intestino caso fosse necessária, porque a única médica que se mostrou mais preocupada me disse que a coagulação do sangue dele estava uma bagunça e na mesa ele poderia não resistir. O sintoma do qual ele se queixava há meses e que não foi esclarecido nos exames que fez por conta própria era a xerostomia, boca seca, que muitos atribuiram como efeito colateral dos remédios de uso contínuo para o coração. O médico que assina atestado olha e atribui causas em cima do que ele encontra feito, o sangue está cheio de açúcar, escreve aí que ele tinha diabetes, pronto. Seja lá qual tenha sido a causa ele se cuidava, infelizmente não conseguiu descobrir a tempo de reverter... Uma folha colorida em papel moeda, fundo amarelo, bordas azuis, a bandeira nacional ao fundo. Uma folha nova, ainda sem nenhuma dobra e de certa forma pesada como se fosse feita de chumbo.
O sentimento que fica é fazer valer a pena a vida cotidiana entre uma certidão e outra da vida civil, qual é o papel que você quer viver, quais as folhas você precisa reescrever, quais folhas não fazem mais sentido, quais papeis preciso encontrar nesse momento, quais são as pessoas que quero ao meu lado quando assino novos papeis...

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